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Por que falar de educação passa pelo conceito de autonomia?

No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia”.

Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia





A educação é o processo pelo qual o ser humano se desenvolve integralmente e constrói a sua identidade. Quando falamos em educação, não estamos falando apenas da educação formal, a qual ocorre nas escolas e outras instituições de ensino. A educação inicia com o nascimento e perpassa todos os estágios da nossa vida, ocorrendo através do convívio social e da interação com outros sujeitos humanos.

Para o filósofo Kant, a educação é o que possibilita ao ser humano sair de seu estado de menoridade e alcançar a maioridade, tornando-se autônomo. Segundo ele, autonomia é ter coragem de fazer uso de seu próprio entendimento e pensamento crítico. A menoridade da qual Kant fala é o estado no qual o indivíduo é incapaz de pensar por si mesmo, tomar suas decisões e ter responsabilidade por elas. Kant afirma que através da educação o sujeito pode tornar-se verdadeiramente humano.

A autonomia e sua relação com a educação é um tema que vem sendo estudado nas diferentes áreas do conhecimento, desde os filósofos como Platão e Kant, passando pelos pensadores da pedagogia e da psicologia, como Piaget e outros. Ao longo do tempo, o conceito de autonomia tomou diferentes formas, passando de um caráter racionalista e idealista (como em Kant) para uma significação social e política, muito ligada às ideias de cidadania e democracia. Haja vista a própria LDB e, mais atualmente, a BNCC quando falam das finalidades da educação (assunto que abordaremos mais adiante neste texto).

Em linhas gerais, a autonomia pode ser compreendida como a capacidade de autogovernar-se, a qual passa, necessariamente, pelo autoconhecimento e pelo desenvolvimento cognitivo e moral. Afinal, fazer suas próprias escolhas requer saber o que é melhor para si e para os outros, conhecer as suas potencialidades e dificuldades e ter consciência da sua responsabilidade social. Podemos dizer que a autonomia tem relação com o protagonismo e a liberdade na medida em que o sujeito, ao mesmo tempo que conhece as regras da sociedade na qual está inserido, não se deixa assujeitar por elas.

Quando passamos para uma análise dos documentos normativos da educação no Brasil, é possível perceber que as finalidades da educação dependem do desenvolvimento da autonomia. Tanto na LDB como na BNCC, encontramos um conceito de educação enquanto processo orientado “pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. Além disso, a educação é compreendida para além do acúmulo de informações e visa desenvolver “competências para aprender a aprender”.

Na BNCC são introduzidas as chamadas “Competências gerais da Educação Básica”, as quais se desdobram em habilidades específicas para cada área do conhecimento, bem como para cada um dos componentes curriculares. Duas das competências gerais descritas na BNCC resumem este ideal de educação ligado à autonomia, a saber:


6- Fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

10- Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.


Indo mais a fundo na Base, no âmbito da Educação Infantil muitas aprendizagens se relacionam com o desenvolvimento da autonomia, não apenas no que se refere aos assuntos acadêmicos, mas em atividades cotidianas, como alimentação, higiene, autocuidado entre outras. Já no que se refere aos anos finais do Ensino Fundamental, a BNCC ressalta a importância de “fortalecer a autonomia dos adolescentes, oferecendo-lhes condições e ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes conhecimentos e fontes de informação” (BNCC, p.58).

Quando passamos para os princípios e finalidades que orientam o Ensino Médio, temos o aprimoramento do estudante como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, tendo em vista o exercício da cidadania e a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Ao longo de todas as aprendizagens esperadas para o Ensino Médio, encontramos competências e habilidades que se relacionam com o exercício da autonomia e a criticidade. Por exemplo, uma das Competências Específicas de Linguagens e suas Tecnologias diz o seguinte:


3- Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, de forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que respeitem o outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável, em âmbito local, regional e global.


Outro exemplo, no campo Artístico-literário da Língua Portuguesa, é a habilidade EM13LP50, na qual é esperado do estudante “selecionar obras do repertório artístico-literário contemporâneo à disposição segundo suas predileções, de modo a constituir um acervo pessoal e dele se apropriar para se inserir e intervir com autonomia e criticidade no meio cultural”.

Se pensarmos a partir das concepções descritas acima, autonomia está relacionada com a compreensão que cada um tem do mundo e de seu papel na sociedade e, a partir disso, fazer uso de suas habilidades para o seu crescimento pessoal, bem como para intervir na sociedade da melhor maneira possível.

Atrelado a isso, muito mais do que “aprender a aprender”, a educação para a autonomia deve levar em conta o caráter dialético da relação de todos sujeitos envolvidos na aprendizagem (não apenas professor e aluno). Como já dizia Paulo Freire, “sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo no respeito a ela” (2002, p.25). Ser autônomo não é “fazer tudo sozinho” ou não precisar de ajuda. De acordo com Wallon, o desenvolvimento da identidade e da autonomia não significa “separar-se” do outro, mas estabelecer uma nova forma de relação com ele.




Fontes consultadas:


BRASIL. Ministério da Educação. CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. 2013.

______. Ministério da Educação. CNE. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Homologada no dia 20 de dezembro de 2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.



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